terça-feira, 3 de maio de 2011

Paca: a tentação da carne

Apesar de proibida, a caça à paca para consumo da carne nunca deixou de existir

Apesar de proibida, a caça à paca para consumo da carne nunca deixou de existir, em todo o território nacional. Agora, a criação em cativeiro é a aposta para diminuir a pressão sobre as populações nativas.
Quem comeu, garante: é a melhor, entre os animais silvestres. Quem não experimentou, sabe da fama. Os caçadores sonham com ela. Aí é que mora o perigo, para as populações nativas e para o equilíbrio do meio ambiente. Apesar de ilegal, a caça à paca (Agouti paca) é uma das mais praticadas em todo o Brasil, seja como fonte de proteína para os povos da floresta, ou lazer dos caçadores urbanos. Para todos, o maior atrativo da paca é a carne saborosa, comparável à do leitão, segundo uns, e incomparável, segundo outros.  
Além do sabor agradável, a carne de paca apresenta excelentes características nutricionais: tem baixo teor de gordura – 124 calorias em 100 g – é rica em proteína, cálcio e fósforo.

Segundo a União para a Conservação Mundial (IUCN, na sigla em inglês) a espécie encontra-se em processo de extinção local devido à fragmentação de seu hábitat e à pressão da caça predatória. Os dados dos órgãos de fiscalização ambiental, federal e estaduais, mostram que a paca representa de 70% a 80% das apreensões de animais mortos pela caça clandestina.  
E onde a população de paca acaba ou diminui, desequilibra-se a cadeia alimentar. Vários felinos e outros carnívoros dependem da paca, entre outras presas, para viver. O veterinário Rodrigo Souza Heitor, que trabalha com a espécie numa fazenda de criação conservacionista em Goiás, lembra que, nas regiões onde falta caça, cresceu, nos últimos anos, o número de relatos de ataques promovidos por onças, lobos, cachorros-do-mato e outros predadores a criações de animais domésticos. No interior de São Paulo, alguns ataques chegaram a ser atribuídos a um fictício “chupacabra" até se descobrirem os ‘vilões’.  
A paca faz falta também para a flora. Como dispersora de sementes, de frutos dos quais se alimenta, a espécie é importante para a regeneração das florestas tropicais, que constituem seu hábitat. A paca é o segundo maior roedor da nossa fauna silvestre, depois da capivara. O nome da espécie, paca, vem do verbo tupi paka, que quer dizer acordar. Esta é uma das características da paca: ela passa a noite em busca de comida e de dia fica na toca.
É animal herbívoro, alimentase de frutos, folhas, tubérculos e raízes. Para alguns agricultores, ela é uma das pragas da lavoura. Fama injusta, segundo o veterinário Rodrigo Heitor, para quem a paca só procura as plantações quando diminui a oferta de alimentos na natureza. “Devemos salientar que a paca tem hábito solitário e que os ataques às lavouras, quando acontecem, causam pequenos estragos, ao contrário dos ataques de capivaras e queixadas, que andam em grupo”. Outro defensor da paca é o pesquisador Mauro Galetti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, SP. “Ela não é vilã, invade as plantações porque tiram o alimento dela na mata, e a quantidade que ela devora é baixa”.

A pesquisadora da Faculdade de Castelo, no Espírito Santo, Cristiana Stradiotti, bióloga especializada em animais silvestres, reforça: “elas preferem ambientes tranqüilos, com vegetação abundante; evitam ambientes com odores estranhos, principalmente humanos e, dessa forma, não são ameaça para os agricultores ou qualquer pessoa que possa habitar essas regiões”.  
Talvez por tais características, não é fácil encontrar a paca. Sua toca tem várias saídas muito bem camufladas por folhas. Embora terrestre, ela está sempre perto de rios, córregos e igarapés, onde se refugia dos predadores, valendo-se de sua extraordinária habilidade na natação. Habita florestas tropicais desde o Centro-Oeste mexicano e a América Central, até o Sul do Paraguai.  
Para fazer frente à pressão de caça, no Brasil, a esperança é a criação em cativeiro, com fins conservacionistas ou comerciais. Um dos problemas é conseguir, em ambientes restritos, a reprodução de um animal arisco e de hábitos solitários. “Com cuidados com a alimentação e a saúde, só possíveis em cativeiro, dá para prolongar a vida reprodutiva e a taxa de prenhez e natalidade”, ensina o veterinário Rodrigo Heitor.  

A bióloga Cristiana Stradiotti pesquisou a reprodução da espécie e constatou que, em seu hábitat, a paca tem, em média, duas crias por ano, sendo um filhote por parto. Em cativeiro, é só uma cria, com risco de reabsorção embrionária em 10% dos casos e de aborto em 30%.  
Para sua tese de mestrado, em 2005, a pesquisadora desenvolveu um aparelho de eletroestimulação e um protocolo de coleta de sêmen, ambos específicos para pacas. Agora Cristiana estuda o ciclo reprodutivo da fêmea para desenvolver uma técnica de inseminação artificial.  
Para a pesquisadora, a criação comercial é a única alternativa para a caça e o comércio ilegal de espécies silvestres, como a paca. Como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) exige dos criadores comerciais a contrapartida de reprodução de lotes para devolução à natureza, Cristiana vê boas perspectivas também para a população nativa: “vislumbra-se, na criação em cativeiro, o caminho para abastecer o mercado consumidor e proteger as espécies de vida livre”.   
O Ibama tem registrados 18 criadouros conservacionistas, que trabalham com pacas, 7 deles em São Paulo e 6 no Distrito Federal. Criadouros comerciais são 51, a maioria em São Paulo (12), seguindo-se Espírito Santo (9), Goiás (8), Paraná (6) e Santa Catarina (6).  
Com o crescente interesse dos consumidores por carnes exóticas e as novas técnicas de reprodução, criar paca em cativeiro pode vir a ser o investimento dos sonhos de muita gente. Afinal, para os especialistas em interpretação, sonhar com paca é sinal de lucros nos negócios e boas perspectivas de vida. E nós — você, leitor, e eu — ainda poderemos realizar o sonho de provar essa carne incomparável sem depender da caça, que ameaça acabar com a saborosa tentação.

Paca vira cobra ou cobra vira paca?
O maior predador da paca é o homem. Em seguida, vem o cachorro- do-mato. Quando estes dois predadores se unem, a presa não tem saída. O cachorro mantém a paca acuada na toca, e o caçador só tem o trabalho de matar o animal, com espingarda ou terçado. No Alto Juruá, Acre, entre os índios Kaxinawá e Katukina, caça é coisa para homem, mas mulheres e crianças maiores podem caçar, com o terçado, paca e tatu acuados na toca.  
Para os povos da floresta, a melhor época de caça é a das chuvas — chamada de ‘inverno’ por eles — de novembro a abril. É época de mais frutos, fica mais fácil encontrar os animais, além do que o solo úmido abafa o ruído dos passos do caçador e facilita a identificação dos rastros. Na seca — o ‘verão’ — a caça se expõe menos e o barulho das folhas secas denuncia a aproximação do caçador. Os Katukina consideram a paca o único animal mais difícil de caçar na época das chuvas. Quando acuada, ela se joga nos igarapés cheios e é impossível perseguí-la.  
Para os índios a paca é embiara, isto é, caça pequena, como a cutiara, o tatu, macacos, jabutis, nambus e outros bichos grandes de pena. Já a pacarana (paca-derabo) não é caça, nem embiara, é animal ‘imundo’, que não se come. Os seringueiros do Acre, certamente por influência dos costumes indígenas, também não comem a pacarana, mas matam a invasora dos seus roçados e dão a carne para os cachorros. Dos Ashaninka a pacarana está livre, por conta da crença dos índios de que ela é peyari, ‘espírito de morto’.  
Apesar de apetitosa, a carne de paca tem restrições de ordem cultural entre os índios do Acre. Kaxinawá que tem criança com menos de 3 meses só pode comer carne de paca fêmea. Entre os Katukina, crianças e adultos gravemente doentes, mais os parentes diretos (pais, filhos e irmãos) não podem comer paca. A mesma interdição se aplica à mãe e ao pai até duas semanas após o parto, senão dá ‘enrijecimento’ da barriga, diarréia e vômitos.  
Mulher de resguardo e doentes também não podem comer paca entre os Ashaninka. Estes índios usam como amuleto uma pequena pedra que o animal tem dentro de um osso localizado perto do ouvido. A pedrinha é colocada na cuia de caiçuma — uma bebida alcoólica consumida em festas — e todos bebem. Quem a engolir terá sorte para tudo.  
Outras crenças dos povos da floresta cercam a paca. Diz-se que ela mora com cobras venenosas na toca, como a pico-de-jaca (surucucu), a jararaca, a coral e a surucucu-de-barranco. Os Kaxinawás mais velhos dizem que a paca vira cobra, enquanto para os seringueiros é a cobra que vira paca. Mas ninguém cria paca, para não chamar cobra para dentro de casa.  
  
Fonte: Enciclopédia da Floresta

0 comentários:

 

BPA Copyright © 2011 - |- Template created by O Pregador - |- Powered by Blogger Templates