segunda-feira, 5 de novembro de 2012

0 O desafio da extração legal


Floresta sapecada por fogo prestes a ser abatida pelo correntao e transformada em lavoura. Clique nas fotos abaixo para ampliar. (Fotos: Fabio Pellegrini)

Feliz Natal (MT) – Após acompanhar o trabalho de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por dois dias, em companhia de equipes da imprensa regional, também convidadas pela assessoria de comunicação do órgão, fui conhecer a área urbana da pequena cidade de Feliz Natal, localizada a 120km de Sinop e a 560km de Cuiabá, a capital mato-grossense.

Na ocasião, tive a companhia da equipe do diário cuiabano A Gazeta, representada pela intrépida repórter Amanda Alves e pelo bonachão fotógrafo Chico Ferreira (que começou a carreira como entregador de jornal, curiosa história que mereceria uma entrevista em um talk show). 

Segundo informações de agentes do Ibama, em Feliz Natal existem mais de 200 empreendimentos do setor da madeira cadastrados e pelo menos 90 em atividade. Na cidade, populares afirmam que este número não passa de 50. Para o viajante, é surpreendente ver caminhões transportando toras de madeira nas estradas, sem serem interceptados por quaisquer barreiras fiscais. Há também muitas serrarias ao redor da cidade. O uso de itaúba, madeira nativa, é evidente em bancos de praças e postes de energia. A espécie também é usada na construções de comércios e em grande parte das residências mais simples. Segundo ouvimos, o metro cúbico da itaúba, que já custou R$ 400, agora gira em torno R$ 1.300.

Nas estradas locais, transportam-se toras imensas, principalmente à noite.
Nalvir von Dentz diz que manter-se na legalidade é difícil.

Apesar de toda a espetacularização da operação do Ibama, com muito agentes, viaturas e até helicóptero, nós precisávamos ouvir o outro lado, no caso, os madeireiros. Afinal, tudo na região gira em torno da extração da madeira. Será que as pessoas não se sentem culpadas? Existe legalidade? Essas perguntas martelavam o pensamento. Precisávamos buscar o depoimento de um madeireiro local para ouvir o outro lado. Antes, porém vale contar de onde surgiu o nome do município.

Às vésperas de 25 de dezembro de 1976, um grupo de trabalhadores de uma das fazendas que se desenvolvia por ali não conseguiu voltar a Sinop, a 120 km, para cear com suas famílias e amigos, pois as chuvas torrenciais tornaram emprestáveis as estradas de chão batido. Para agravar a situação, um córrego transbordou. Sem opção, o grupo saudou-se mutuamente e passou a noite no local, esperando a bonança. A desventura acabou por batizar o município que seria criado anos mais tarde com o nome de saudação natalina.

Para sairmos em busca de empresários e trabalhadores dispostos a conversar com a imprensa, tratamos de tomar um táxi, pois a cidade estava debaixo de um sol escaldante de primavera que não convidava a caminhadas. Chiquinho do Táxi conhecia todo mundo da cidade e não usava taxímetro. Cada trecho era acordado previamente. A cada pessoa que cruzou nosso caminho, uma buzinada e um aceno de mão. 

O valor da legalidade

Chegamos à madeireira de Nalvir Von Dentz. “Vieram ao lugar certo”, disse sua esposa ao saber que procurávamos alguém para nos falar com sinceridade sobre o mercado de madeira da região.

Nalvir nos recebeu amavelmente em seu escritório e, explicando o que o trouxe a Feliz Natal, nos contou que tem “descendência” de madeira. O ofício veio do pai e do avô, no Sul do Brasil, de onde partiu, em 1996, para tentar a sorte no Nortão de Mato Grosso.  Ele relata que montou a madeireira, e por um bom tempo operou com extrema dificuldade, pois faltava até rede de energia elétrica, que só chegou em 2000. Nalvir diz que cumpre rigidamente a legislação que rege o seu empreendimento, mas reclama que não é nada fácil. Para ilustrar, diz que a sensação é a de esperar paciente em uma longa fila, enquanto os outros furam a fila.

Para entendermos o contexto, ele nos explica como a região do Médio Norte de Mato Grosso se desenvolveu rápido nas últimas décadas: 

-- O ciclo da madeira veio subindo do Sul do Brasil, começou lá norte de Rio Grande do Sul e Oeste de Santa Catarina, veio pelo Paraná, entrou no Paraguai, pulou no Mato Grosso do Sul, pulou pro Mato Grosso, e aí invadiram Amazônia adentro. A madeira gerou muito emprego e muito imposto. Governo e sociedade ganharam com isso. Até quem não era do setor se arriscou, por tentação econômica. E com o madeireiro vêm os outros prestadores de serviços, o lavoureiro, o pecuarista, vem o restante, porque o madeireiro deixa a estrada pronta, a ponte feita... 

A “febre da madeira” atraiu aventureiros incentivados pelo governo federal em uma época em que não havia fiscalização rígida e a legislação exigia, na Amazônia, a manutenção de 50% da propriedade como reserva legal, em vez dos atuais 80%. Com isso, muita gente se empolgou e passou a extrair toda a madeira que conseguia, até que chegou a fiscalização rotineira.

-- As pessoas se iludiram com uma lasquinha, com um palanque, já transferiam a família pra cá, achando que estavam ganhando um dinheirinho. Mas sem orientação, sem o órgão competente para orientá-lo, o que aconteceu? Veio a alteração da lei, (que restringiu as áreas a serem derrubadas) o impacto social, a desilusão, a perseguição... Aí a pessoa fugia, se indignava mais ainda e ia pro lado errado. Estava errado de extrair madeira irregularmente, mas o órgão também teve sua culpa de não estar junto, indicando onde podia, onde não podia. Não adianta soltar o filho no mundo e depois de 18 anos cobrir ele de pau pra educá-lo. Você tem que estar junto! Os órgãos querem ficar a 500 km de distância, no ar condicionado. 

Boa parte do comércio e quase todas as casas são feitas de madeira
A fronteira agrícola avança ao mesmo tempo em que encurrala a floresta.
Nalvir explica que esse processo confundiu os colonizadores, em uma época em que a região recebia levas de migrantes diariamente, gente que havia deixado tudo para trás para arriscar a vida com promessas de trabalho promissor. A maior reclamação do setor ligado à madeira diz respeito ao licenciamento ambiental da extração, moroso por demasiado segundo representantes do setor, e centralizado na Capital, Cuiabá.

A competência dessas licenças é do órgão estadual, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), tão malquisto na região quanto o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Eles “impedem o desenvolvimento da região”, nos disseram em conversas informais muitos moradores da região.

Nalvir orgulha-se em dizer que sempre operou legalmente:

-- Nossa empresa gera hoje 22 empregos diretos mais a equipe terceirizada, de extração. Tenho empregados que estão comigo há 16 anos, por isso defendo a legalidade. Só estão aqui porque lá atrás eu fiz correto, senão tinha fechado na primeira operação [de fiscalização]. O ilegal talvez trabalhe com uma margem de lucro maior porque evita uma série de. Por outro lado, tem uma expectativa futura muito ociosa. A legalidade pode até custar caro, mas te dá segurança estabilidade, garantia de trabalho para o funcionário e para o cliente, pois é a certeza de ter fornecedor.

A legalidade, no caso, é o manejo florestal. Nalvir continua:

-- É uma das melhores formas de renovação da floresta porque você deixa a fauna, a floresta se arruma de novo, e gera emprego e renda. Mas tem gente que faz o manejo, passa fogo e derruba. 

Mas afinal, quem é o consumidor final dessa madeira?, perguntamos.

-- A madeira vai para o mercado de todo o país, fica um pouco aqui no Estado e o resto vai ser beneficiada em indústrias do Sul, tanto em construção civil quanto móveis.

O papo vai longe, mas nosso tempo é curto e precisamos entrevistar outras pessoas, de preferência alguém do Executivo municipal. Agradecemos o empresário pela receptividade e voltamos ao Chiquinho do Táxi que nos aguarda.

A madeireira gera 22 empregos diretos e tem um mercado estável.
Toras extraídas há cinco anos garantem serviço até 2013.
“Bombou no Face”

As alterações ao longo dos anos na legislação, os entraves dos órgãos estaduais e a burocracia dificultam a regularização dos negócios de madeira. Essa é a síntese do relato dos locais. Também ouvimos falar de fiscalização corrupta nas estradas, além dos “esquentamentos” de autorizações de transporte de madeira. Ninguém cita nomes ou detalhes. Desconversam quando queremos saber mais.

Durante o jantar de em um dos poucos restaurantes da cidade, ao saber que havíamos acompanhado a operação do Ibama, o dono conta que “a cidade parou quando viu o comboio do Ibama passar. Bombou no Face!”, referindo-se aos comentários no Facebook. 

Fica claro que esse município foi construído com a renda da madeira. Ela faz parte das vidas dessas pessoas. Todo o seu patrimônio veio e ainda vem direta ou indiretamente, da exploração da madeira, legal ou ilegal. Para piorar, os órgãos ambientais são vistos como vilões do progresso. Enquanto isso não mudar, a floresta vai embora.

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